Estado do Rio culpa vítimas em processos por indenização após abordagem de PMs

 


Em um dos processos, vítima foi baleada em julho de 2012, por volta das 3h20 da madrugada, quando estava em uma moto em direção ao trabalho, na rodoviária de Arraial do Cabo.

As abordagens policiais a carros e motos que terminam com pessoas mortas ou feridas, no estado do Rio de Janeiro, tem como consequência, também, processos judiciais com pedidos de pagamentos de danos morais e materiais pelo Estado. E na tentativa de justificar a ação dos PMs e evitar a condenação, procuradores recorrem ao artifício de culpar a vítima. Em três processos judiciais localizados pelo Globo, nos quais já houve determinação de pagamento de indenização, o Estado apontou que atitudes dos ocupantes dos veículos foram determinantes para a atitude dos militares.

O Globo fez um levantamento de processos julgados pelo Tribunal de Justiça nos últimos dez anos. No total, foram localizadas oito ações nas quais o estado foi condenado a pagar R$ 1,25 milhão por abordagens de policiais militares a veículos que resultaram em mortes ou pessoas feridas. No fim dos processos, após diversos recursos, com a correção em razão dos juros, esse valor saltou para R$ 3,5 milhões.

Em um dos processos, o autor, Cauby da Silva Santana, foi baleado em julho de 2012, por volta das 3h20 da madrugada, quando estava em uma moto em direção ao trabalho, na rodoviária de Arraial do Cabo. O homem, que atuava como bilheteiro, estava uniformizado. Ao cruzar com uma viatura policial em uma pequena estrada de terra, o homem parou para aguardar a passagem do veículo. Repentinamente, o carro da PM também freou e o motorista — policial Mauro Lucia da Silva Cirne Leal — abriu fogo contra a vítima. O tiro atingiu o homem na altura do maxilar direito.

Em sua primeira manifestação no processo, a Procuradoria Geral do Estado alegou que o simples fato de o homem trafegar por local ermo, de madrugada, já o colocava como suspeito. Além disso, afirma que o homem portava “celular de forma inadequada, realizando movimentos e se posicionando de modo a ensejar reações como a que foi relatada pelas autoridades policiais”. Em seus depoimentos à Polícia Civil, os PMs envolvidos alegaram que Cauby fez um movimento que os levou a pensar que ele sacaria uma arma de fogo.

Na sentença em primeira instância, o juiz Sérgio Roberto Emílio Louzada, da 2ª Vara de Fazenda Pública, refutou os argumentos da procuradoria e afirmou que o desfecho da ação policial foi desastroso. Em 2019, magistrado condenou o estado a indenizar a vítima em R$ 40 mil por danos morais. Após recursos contra a decisão, a sentença foi mantida e condenação atualizada para R$ 91 mil, em razão da incidência de juros.

“Assim, o caso em tela refere-se à reação dos policiais que apresentaram conduta reprovável, causadora do desastrado desfecho, que decorreu de evidente despreparo, negligência e irresponsabilidade dos policiais no momento em que abordaram o autor, sem que o mesmo apresentasse qualquer situação de perigo para a guarnição policial”, escreveu o magistrado.

Em outro caso, a vítima, Guilherme da Costa Barbosa foi atingido quando foi abordado por policiais em Honório Gurgel, em fevereiro de 2020. Ele estava em uma moto, com um amigo, quando recebeu ordem de parada. O rapaz alega que parou a motocicleta, conforme solicitado, e ainda assim um dos policiais atirou contra ele e seu amigo. Guilherme foi atingido por um tiro na clavícula direita, causando perda da mobilidade do braço direito.

Em sua manifestação no processo, a Procuradoria Geral do Estado afirma que “o autor certamente contribuiu para a iniciativa do PM que acabou por disparar a arma em sua direção”, seja por alguma atitude que tenha tomado ou por ter se omitido diante da ordem dos policiais. A procuradoria acrescenta que o policial certamente reagiu a alguma iniciativa da vítima, por isso teria agido em legítima defesa, e salienta que a vítima dirigia a moto sem documentos. Apesar das alegações da procuradoria, em seus depoimentos à Polícia Civil, os PMs envolvidos na ocorrência em nenhum momento culpam a vítima pelo ocorrido.


Em sua sentença no caso, em dezembro de 2021, a juíza Monica Ribeiro, da 10ª Vara de Fazenda Pública do Rio, afirmou que não foi comprovado no processo que os policiais agiram em legítima defesa, e condenou o estado a pagar R$ 90 mil de indenização à vítima. Não cabe mais recurso no processo, mas o valor da condenação ainda não foi atualizado.

Já no terceiro processo, o autor, motorista de Uber Francisco de Assis Araújo da Silva foi baleado por um policial militar durante uma abordagem policial em Realengo, na Zona Oeste do Rio, no dia 6 de julho de 2017. O homem foi atingido na perna pelo agente.

Francisco estava em seu carro, por volta das 19h, quando dois policiais que estavam em uma viatura abriram fogo contra o veículo. No processo judicial, a procuradoria do Estado alegou que os tiros foram disparados após Francisco não ter atendido uma ordem de parada dos agentes e alega que, portanto, não há responsabilidade do Estado.

Na sentença, o juiz Afonso Henrique classifica a ação dos policiais foi “descuidada e despreparada” e afirma que é incabível a alegação do Estado de querer culpar a vítima pelo que ocorreu apenas por não ter ocorrida a ordem de parada.

“Reconhecida a imprudência dos policiais militares, é descabida a alegação do réu de querer imputar à vítima culpa exclusiva pelo evento danoso sob justificativa de não ter atendido à ordem de parada dos policias”, escreveu o magistrado na sentença na qual o Estado foi condenado a pagar R$ 65 mil de danos morais.

Procurada, a PGE informou que as contestações apresentadas representam a tese jurídica defendida pelo Estado no Processo. E acrescentou que não existe manifestação pré-concebida pela procuradoria sobre o tema, “uma vez que, na manifestação jurídica, são levadas em conta situações fáticas específicas de cada caso”.

*Com informações O GLOBO.

Fonte: RC24H


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