BRASIL E INGLATERRA: A DIPLOMACIA DA ARTE EM TEMPOS DE GUERRA

 


A história do poder da arte vai muito além do que se possa imaginar. E são exatamente os períodos de conflitos, de guerras, de caos mundial que trazem registros de como ela tem sido um grande refrigério. Ao visitarmos Stratford-upon-Avon, onde Shakespeare nasceu, por exemplo, nos deparamos com imensos painéis informativos, deixando bem claro que em tempos de bombardeios da Segunda Guerra Mundial, os teatros lotaram. Era uma forma de amenizar a dura realidade por meio da catarse, e não só: foi uma grande contribuição à economia da época. De forma metafórica, Shakespeare foi “um mercador para muito além de Veneza!”

O poder da arte que se mostrou também, no mesmo período, fazendo a diferença em ações diplomáticas. Sim, a colaboração de representantes do Modernismo, como Portinari e Di Cavalcanti, com o Reino Unido também marcou história na Segunda Guerra. 

Embora poucas pessoas saibam,  Londres recebeu obras de arte que chegaram por navio, enviadas do Brasil com o intuito de ajudar a financiar a Força Aérea britânica. Um gesto de apoio e solidariedade, em 1944, enquanto a capital inglesa ainda era alvo de bombardeios nazistas. Foi uma atitude absolutamente louvável: 70 artistas modernistas enviaram 168 obras de arte de presente para a Inglaterra, além de 162 fotos retratando a arquitetura brasileira. 

A exposição "Pinturas Brasileiras Modernas"  teve sua abertura em 22 de novembro de 1944, nada menos do que na Royal Academy of Arts,  Londres. Na exibição, trabalhos de artistas renomados como Lasar Segall, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Iberê Camargo, Cândido Portinari, Volpi, Cícero Dias e Roberto Burle Marx foram mostrados.

Arte Moderna em Londres. 1944. Royal Academy of Arts. Disponível em:  https://i2.wp.com/www.touchofclass.com.br/wp-content/uploads/2018/04/arte_moderna_londres_1944.jpg?fit=1280%2C719 Acesso em : 21 de outubro de 2023. 

Esta foi, na verdade, a primeira e maior exposição de artistas brasileiros no Reino Unido, que teve parte na mencionada  Royal Academy of Arts, e parte na Whitechapel Gallery.

 Whitechapel High Street, c. 1910. Courtesy of Tower Hamlets Archives. Disponível em:< Celebrating 120 Years of Whitechapel Gallery - Whitechapel Gallery> Acessado em : 21 de outubro de 2023.

Aqui, vale ressaltar, para reforçar o poder da arte,  a  mensagem da Diretora da Whitechapel Gallery, Iwona Blazwick, por ocasião dos seus 120 anos de existência:


Em 12 de março de 2021, a Whitechapel Gallery comemora seu 120º aniversário! Sua primeira mostra foi apresentada em 1901. Quadros modernos de artistas vivos, pré-rafaelitas e mestres antigos atraíram 260.000 visitantes! Alguns dizem que foi porque foi a primeira vez que viram luzes elétricas, mas os fundadores Samuel e Henrietta Barnett sabiam que estavam em algo grande.

“Eles acreditavam no poder da arte - não apenas para educar, mas também para unir comunidades que falavam línguas diferentes, possuíam crenças religiosas diferentes e procediam de origens diferentes. Estimulados por essa ideia, eles levantaram fundos para construir uma galeria de fotos. Por que fotos? Porque neste bairro pobre, poucos sabiam ler ou escrever. Eles se estabeleceram em um local bem na Whitechapel High Street. Observando os prestigiosos museus de Londres, Canon Barnett percebeu que todos pareciam templos clássicos, com degraus que conduziam a um santuário interno. Ele contratou o arquiteto mais progressista da Grã-Bretanha, Charles Harrison Townsend e suas primeiras instruções foram:

- ‘Sem passos!’ 

Ele queria acesso direto da rua à arte.”


Benditos todos aqueles que sempre lutaram pela inclusão, e para que o acesso à arte fosse o mais acessível possílvel.

A mostra de 1944 foi um sucesso e contou com a apreciação de mais de 100 mil pessoas, com destaque à rainha Elizabeth, mulher do rei George VI, e mãe da rainha Elizabeth II. 

A exibição não ficou só em Londres, mas ainda foi levada a outras sete galerias no Reino Unido. Se você, ao ler este artigo, julga ter sido uma atitude perigosa e arriscada, leia o trecho a seguir: 

"Apesar de ser perigoso, as pessoas queriam sair de casa durante a guerra, estavam sedentas por cultura. Queriam mostrar resiliência, e não medo. Esse sentimento as ajudava a sobreviver", afirma Dawn Ades, historiadora de arte e professora emérita de Essex ( Colchester-UK).

Em 2018, 74 anos depois, tamanha e notável colaboração virou tema de outra exposição, A Arte da Diplomacia: Modernismo Brasileiro Pintado para a Guerra, com a curadoria de Adrian Locke (Royal Academy of Arts).

Desta vez, como objeto de pesquisa de doutoramento do então attaché cultural da Embaixada do Brasil em  Londres – Dr. Hayle Melim Gadelha, organizador do certame, com o seguinte título de projeto acadêmico: Diplomacia Pública na Frente: A Exposição de Pinturas Modernas brasileiras dentro da Política Externa em Tempo de Guerra do Brasil  (2021) defesa levada a efeito no Kings College of London, com destaque ao poder da arte e cultura como ‘soft power’ nas relações diplomáticas. O Embaixador da época era o diplomata Roberto Jaguaribe Gomes de Mattos. Na exposição de 2018, conseguiram reunir obras originais, e recuperar catálogos e dados de grande importância.





 Publicação jornaliística sobre a mostra de 1944. Disponível em : https://tokdehistoria.com.br/tag/tarsila-do-amaral/ Acesso em 21 de outubro de 2023. 











F ROBERTO BURLE MAX. Uma das obras exposta nos salões da Embaixada do Brasil em Londres- A Arte da Diplomacia: Modernismo Brasileiro Pintado para a Guerra,-2018. Foto: Doncaster Museum and Art Gallery.


“Lucy with Flower”, de Lasar Segall, foi a escolhida a melhor obra da exposição de 1944 e voltou a ser exibida em Londres no ano de 2018. Foto: Divulgação/Scottish National Gallery of Modern Art

Não resta dúvidas de que foi edificada uma verdadeira ‘ponte cultural’ entre Brasil e Reino Unido. Ponte esta que tem se consolidado ao longo das décadas pelo poder da arte. Viva a arte, viva a cultura, viva a inclusão, viva a diplomacia. Por um mundo melhor e mais humanizado!


Sueli Lopes é Drª h. c. em Literatura; escritora, autora, colunista internacional, cronista  e CEO do Grupo Interrnacional de Escritores Vozes da Diáspora. 
Instagram: @escritorasuelilopes e @vozes.da.diaspora

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