ELES SÃO MUITOS, MAS NÃO PODEM VOAR

 


A intertextualidade, um dos maiores recursos linguísticos, trata-se de um texto que remete a outro texto, confirmando a universalidade e atemporalidade da literatura.

Temos uma linda canção que foi  composta  por Ednardo com base na literatura de cordel e lançada em plena vigência da ditadura militar no Brasil. 

“O  Romance do pavão Misterioso”, escrito em 1923 por José Camelo Resende, por sua vez tem raízes nos contos de Mil e Uma Noites. Ou seja, estamos celebrando o centenário desse romance, no qual é narrada a história da Condessa Creuza, a moça mais bonita da Grécia, conservada pelo pai trancada desde a infância no mais alto quarto de um sobrado.Uma vez no ano, a moça aparece por uma hora ao povo, que vem de longe, só para contemplar-lhe a beleza. Um retrato dela chega até a Turquia, onde mora Evangelista, que se apaixona pela bela figura da jovem. Dirigindo-se à Grécia, ele encomenda a um engenheiro um mecanismo alado – o Pavão Misterioso do título – a bordo do qual consegue chegar até o quarto da moça, raptando-a, depois de vários perigos e dificuldades.


A música é considerada sagrada pelos índios do Xingu nos rituais religiosos. Também usada por outros tantos como hino à liberdade, a beleza humana e sua capacidade de realizar a vida acima das aparentes impossibilidades.

Ainda hoje, muito atual, como toda Arte comprometida em ir além da estética, em fazer valer a voz do coletivo. A intertextualidde, nesse sentido, vai muito além de um texto que remete a outro texto. 

Ela expressa também uma voz que jamais irá se calar. No tempo em que a música foi escrita, somente nas entrelinhas a agonia de quem sofria censura e repressão,  podia se expressar: “me poupa do vexame de morrer tão moço.”

E ainda hoje, “no escuro dessa noite”, muitos gritam, oprimidos pelas guerras, conflitos, jugos pesados. Pode ser que muitas crianças agora anseiam por um “pavão misterioso, nessa cauda aberta em leque, que os guarde moleques de eterno brincar.”

E nós, instrumentos da Arte, nos agonizamos junto, com imensa vontade de gritar, de registrar, de expressar nossos sentimentos mediante tanta crueldade em nome do bem! 

Fazemos nossa a voz de Ednardo: “desmancha  isso tudo oh, que não é certo não!”

E ao nos sentirmos impotentes, talvez nosso desejo seja que nossa Arte faça alguns “voar” e ter um consolo na alma, pois, afirmamos, diante todo esse mal, com a mais pura certeza:

“Eles são muitos, mas não pode voar.”


Letra da múcia na íntegra:

Pavão Mysteriozo (Ednardo)


Por Sueli Lopes colunista da Tv Manchetes

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