A reforma tributária e o saneamento

 


O fato da administração e o desafio de universalizar até 2033

A proposta de reforma tributária em debate no Brasil hoje visa enfrentar um dos principais desafios que impedem o desenvolvimento do país: seu sistema tributário complexo e oneroso. Atualmente, no Congresso Nacional, tramitam duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC): a PEC 110/2019 e a PEC 45/2019. O substituto da PEC 45, apresentado em 22 de junho, propõe consolidar os impostos federais em uma única contribuição, chamada Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e unificar os impostos locais, como o ICMS e o ISS, em um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com a extinção do IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS.

Essa proposta de reforma tem como objetivo simplificar a complexa estrutura tributária brasileira, reduzindo o número de impostos de 5 para 2. Essa iniciativa é meritória e essencial para tornar o ambiente de negócios no Brasil mais favorável e reduzir os custos associados à burocracia tributária.

Entretanto, o sistema tributário brasileiro não é apenas complexo; também apresenta uma das maiores cargas tributárias do mundo, correspondendo a cerca de 34% do PIB. Esse alto custo não se limita à arrecadação em relação ao PIB, mas também implica em custos de transação significativos para as empresas, chegando a aproximadamente R$ 150 bilhões por ano, ou o equivalente a 1.500 horas de trabalho por ano, apenas para cumprir as obrigações fiscais.

Embora a discussão e a proposta de reforma na estrutura tributária sejam louváveis e cruciais para o desenvolvimento, é fundamental avaliar cuidadosamente os impactos dessa reforma em diferentes setores.

Deve-se prestar atenção especial aos setores que já enfrentam desafios significativos na luta contra a desigualdade e o subdesenvolvimento no Brasil, como o setor de saneamento básico. O país ainda enfrenta níveis alarmantes de falta de acesso a serviços essenciais, como abastecimento de água e saneamento básico, afetando principalmente as populações mais vulneráveis. Atualmente, 15% da população não possui acesso a água tratada, e 44% não tem acesso ao saneamento básico.

Os serviços de saneamento básico são atualmente tributados apenas pelo PIS/COFINS, sendo isentos de ICMS e ISS. No entanto, a proposta de reforma tributária sugere alíquotas de CBS variando de 6,95% a 9,05% e alíquotas de IBS de 13,75% a 17,95%, o que poderia resultar em uma carga tributária final entre 20,73% e 27%, somando os dois impostos. Isso representaria um aumento significativo na tributação, chegando a até 238%, dependendo das alíquotas finais de CBS e IBS.

Além do aumento direto na carga tributária sobre o saneamento básico, existem outras incertezas relacionadas a benefícios fiscais concedidos por decisões judiciais, como no caso da Zona Franca de Manaus. A mudança nos nomes dos impostos poderia questionar a validade desses benefícios, afetando ainda mais a tributação.

Aumentar a tributação sobre o setor de saneamento básico, que já enfrenta desafios enormes, pode ser prejudicial. Para alcançar as metas de universalização estabelecidas por lei, estima-se que mais de R$ 700 bilhões precisarão ser investidos nos próximos 10 anos. Aumentar os investimentos nesse setor, considerando as complexidades sociais do Brasil e a incerteza em torno de um aumento significativo na tributação de um serviço essencial, torna o cenário ainda mais desafiador.

É importante lembrar que a tributação, de acordo com a teoria econômica, afeta os preços para o consumidor. Aumentos nos preços podem reduzir o poder de compra das famílias, levando a uma diminuição em seu bem-estar. Isso pode resultar em dificuldades para pagar serviços essenciais e, consequentemente, aumentar a inadimplência.

A atenção aos efeitos no setor de saneamento é justificada, uma vez que mudanças na renda disponível do consumidor podem aumentar a pressão sobre a inadimplência, especialmente em um país como o Brasil, onde a renda média é baixa e muitas famílias lutam para equilibrar suas contas. É provável que as famílias priorizem sua sobrevivência sobre contas de água e esgoto, tornando as variações tributárias no setor potencialmente prejudiciais para a viabilidade dos projetos e o acesso a serviços essenciais.

Além disso, estudos mostram que o aumento da carga tributária tem um impacto negativo nos investimentos públicos e privados. Portanto, aumentar a carga tributária pode prejudicar os investimentos necessários para a universalização dos serviços de água e esgoto, excluindo ainda mais a população vulnerável do acesso a esses serviços.

Também é importante notar que uma mudança na regra tributária teria implicações na administração pública, uma vez que afetaria o equilíbrio dos contratos existentes no setor de água e esgoto. Isso resultaria em reequilíbrios econômico-financeiros em larga escala em todo o país, com custos de transação significativos para os setores da economia regidos por contratos regulados.

No Brasil, é comum que contratos de reajuste tarifário enfrentem litígios que duram mais de uma década. Portanto, essa mudança na tributação também poderia resultar em aumentos nas tarifas de água e esgoto para os consumidores.

Enfrentar os desafios da universalização do saneamento básico no Brasil não é tarefa fácil, dada a complexidade dos problemas e os obstáculos existentes. No entanto, com esforço e comprometimento, é possível alcançar esse objetivo e fornecer serviços essenciais para toda a população. É fundamental que todos os impactos da reforma tributária sejam cuidadosamente considerados, a fim de garantir que o setor de saneamento básico possa cumprir seu papel crucial no desenvolvimento do país.


Fonte: Exame

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