Liverpool Street , uma das estações mais charmosas de Londres, tem muita história para contar. Ela carrega um contraste entre o moderno e o antigo. Entre a agitada vida londrina e a contemplação do belo (àqueles que ainda têm tempo e sensibilidade para tal).
No meio de tantas experiências vividas e narradas ali, há uma destacável. É bela (pelo resgate) e, ao mesmo tempo, trágica (pelo sofrimento que exprime). Está representada por uma estátua em frente uma de suas entradas. Bendita Arte, que nos permite resgatar a História, que nos dá acessibilidade ao passado, além de nos inspirar para um presente e futuro mais humanos!
Como o bronze, em sua beleza e frieza, foi capaz de mostrar de forma tão clara e harmônica a expressão de cinco crianças: assustadas, encantadas, pensativas, confusas, inseguras. É incrível como a Arte é expressiva, como ela tem poder para nos desnudar, arrancar de nós emoção, curiosidade, conexão.
Impossível não se emocionar ao observar a forma que a menina mais nova abraça seu ursinho de pelúcia. Aquele objeto parece um refúgio para aquela criança. E o violino no chão? De cortar o coração. Cada detalhe da belíssima escultura nos remete a várias indagações, a “alma” daquele lugar é viva demais! “The Arrival”, do artista Frank Meisler, é, na verdade, um memorial às dez mil crianças judias que chegaram à Grã-Bretanha, buscando refúgio da tirania nazista em toda a Europa.
O mais surpreendente: o autor do monumento, Frank Meisler, foi uma dessas crianças resgatadas. Cresceu e encontrou uma forma maravilhosa de mostrar ao mundo parte, não só de sua história, mas do percurso de muitos/as meninos e meninas. Seus pais, como da maioria das crianças salvas, morreram pouco tempo depois que ele foi resgatado. Eis, uma vez mais, a Arte com poder de eternizar um legado, emocionar gerações futuras.
Naquela entrada de vidro da estação de Liverpool Street encontra-se o retrato do programa que foi chamado de Kindertransport, alemão para "transporte de crianças". O grande projeto foi apoiado e incentivado pelo Governo Britânico, juntamente com o esforço de muitos filântropos, os quais trabalharam em equipe para garantir a segurança do maior número possível de crianças que chegassem à Inglaterra, mais precisamente, à Estação de Liverpool Street, como já foi citado. Aliás, vale destacar o espírito de filantropia que o britânico carrega. É realmente uma nobreza que faz parte do estilo de vida da maioria desse povo.
Ao mesmo tempo em que eu contemplava a beleza daquela escultura, me vinha à memória o que ocorreu ao longo de nove meses entre 1938 e 1939: o “Kindertransport” foi, de forma brilhante, uma resposta quase imediata à devastação dos eventos da Kristallnacht em cinco de novembro de 1938 em toda a Alemanha, uma noite em que judeus alemães foram espancados, torturados, assassinados e enviados de forma aleatória aos campos de concentração.
Para minha surpresa, enquanto eu contemplava a beleza e a história daquela magnífica arte, uma criança subiu na base de mármore em que fica o monumento (essa prática é permitida) e começou a interagir com o menino da escultura, como se visse nele vida. Parecia que, inconscientemente, aquele garoto quisesse dizer alguma coisa ao menino da escultura, dar boas vindas! Só consegui pensar que hoje a história, em um outro aspecto, de uma outra maneira, se repete: vivemos uma guerra e, com certeza, as pessoas que mais sofrem são os miúdos.
Tomara que todas as crianças, não só da Ucrânia, mas de todo o mundo, também tenham uma CHEGADA segura em algum lugar! Tomara que elas sejam todas resgatadas, cuidadas, amadas. E que nós prossigamos dispostos a seguir os bons exemplos, a nos inspirar em pessoas que semearam o bem no decorrer de nossa nossa História. Há sempre uma forma de fazer a diferença.
Melhor ainda, há diversas maneiras de eternizarmos o nosso legado por meio da escrita e da Arte. Que sejamos também encorajados a isso, para que abençoemos nossas futuras gerações, como fez Frank Meisler. Nunca, jamais, em tempo algum, nos esqueçamos de que, conforme expressa o Talmude, "Aquele que resgata uma única alma é creditado como se tivesse salvado o mundo inteiro!” Texto e fotos: Sueli Lopes- Drª em Literatura, autora; escritora; colunista internacional; Embaixadora Cultural do Centro Cultural Brasileiro em Londres; membra da Academia Internacional de Literatura Brasileira (sede em Nova Iorque); CEO do Grupo Internacional de Escritores VOZES DA DIÁSPORA.
Por Sueli Lopes Colunista Tv Manchetes