Os proprietários da empresa 123milhas transferiram fundos da companhia para contas pessoais e de familiares nas semanas anteriores a cerca de 700 mil pessoas serem prejudicadas. De acordo com a quebra de sigilo da CPI das Pirâmides Financeiras em 31 de julho, três semanas antes da falência, foram retirados R$ 13,5 milhões dos ativos da empresa. A 123milhas rejeitou veementemente as acusações, considerando-as infundadas.
Os sócios da 123milhas, já cientes do colapso iminente da empresa, adotaram estratégias para desviar recursos dela para benefício próprio e de seus familiares, como indicado no relatório.
O que aconteceu
A CPI solicitou o indiciamento de oito indivíduos da diretoria da 123milhas, incluindo os irmãos Ramiro e Augusto Madureira, sócios da empresa. Entre os delitos alegados pela comissão estão estelionato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e atuação como organização criminosa.
Segundo o relator da CPI, o deputado federal Ricardo Silva (PSD-SP), a 123milhas estava insolvente desde 2019, mas seus donos continuaram retirando recursos, levando a empresa à bancarrota. Em vez de tentar recuperar a agência online de viagens, os sócios priorizaram a preservação de parte do patrimônio para si.
Enquanto a empresa sofria perdas financeiras, os sócios enriqueciam. Ricardo Silva (PSD-SP), relator da CPI das Pirâmides Financeiras
Silva afirmou que as retiradas de capital da empresa não cessaram nem mesmo depois de 18 de agosto, data em que as passagens aéreas deixaram de ser honradas. Essas conclusões se baseiam na análise de pareceres da Polícia Federal e do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
O relatório da CPI aponta que, em 29 de agosto, o pai dos sócios, José Augusto Madureira, solicitou um provisionamento para saque de R$ 839 mil. Ele era proprietário de uma empresa de publicidade que prestava serviços para a 123milhas e, portanto, recebia depósitos. O Relatório de Inteligência Financeira do Coaf observou que essa operação era atípica em seu histórico bancário, sendo considerada expressiva e incompatível com seu perfil de movimentação.
Essa informação contradiz o testemunho do pai dos donos da empresa, que, durante seu depoimento à comissão, alegou nunca ter recebido depósitos substanciais da 123milhas. Suspeita-se que isso tenha sido uma forma de ocultar recursos dos credores.
As tentativas de justificar as transferências da 123milhas para os sócios e seus familiares foram refutadas pelo relatório. Um exemplo hipotético é uma operação de R$ 1.083.000 ocorrida em 1º de agosto. Os valores saíram do caixa da 123milhas para a conta de José Augusto, que transferiu o montante para um parente.
Na mesma data, a 123milhas enviou R$ 3 milhões para uma empresa cujos proprietários eram os sócios da agência de viagens online. Essa situação levantou suspeitas entre os membros da comissão.
Durante o depoimento, José e o parente dos sócios da 123milhas justificaram que as transferências foram relacionadas à compra de uma fazenda, porém, os valores não se alinhavam. Houve uma discrepância não justificada de mais de R$ 1 milhão. A movimentação financeira entre as contas totalizou R$ 4 milhões, enquanto o valor da propriedade rural era de R$ 2,84 milhões. Essa discrepância foi documentada pelo registro do cartório da transferência da fazenda e pela análise das quebras de sigilo dos envolvidos.
Esquema de pirâmide
Para o relator, a 123milhas operava como uma pirâmide. Isso se devia ao fato de que os pagamentos por passagens aéreas eram usados para cobrir a emissão de bilhetes vendidos anteriormente. Para receber os benefícios, era necessário atrair mais pessoas à base da pirâmide.
Segundo o deputado, a categoria de passagens promocionais foi criada para manter o fluxo de recursos. Nessa modalidade, os bilhetes eram vendidos a preços significativamente abaixo do mercado, como uma viagem a Orlando (EUA) por R$ 700.
Silva afirmou que os saques se intensificaram quando ficou evidente que o sistema estava prestes a colapsar. Além disso, houve manipulação dos balanços financeiros para garantir lucros aos sócios. De acordo com o relator, os proprietários retiravam dividendos por meio de práticas contábeis fraudulentas. Investimentos em marketing também eram utilizados para esse fim.
Um exemplo era a aquisição de uma cota de televisão por R$ 10 milhões, com a alegação de que o investimento geraria R$ 15 milhões em vendas, e esse último valor era registrado nos balanços como receita a ser recebida.
O relator argumentou que o processo de recuperação judicial fazia parte do plano da empresa para pagar os credores com generosos descontos.
Além disso, foi descoberto que a 123milhas incentivou seus clientes a mentir para as companhias aéreas caso fossem contatados. A comissão recebeu milhares de denúncias nesse sentido.
123milhas nega irregularidades
A empresa de viagens negou veementemente todas as acusações relacionadas a movimentações atípicas nas contas dos sócios e de seus familiares. Em uma declaração enviada ao UOL, a empresa alegou que seus balanços eram transparentes e legítimos. Além disso, afirmou que tomou medidas para garantir que nenhum credor fosse beneficiado durante o processo de recuperação judicial.
Confira a íntegra da nota
“A 123milhas informa que é leviana a afirmação de que sócios e parentes realizaram movimentações financeiras ilícitas ou ocultação de patrimônio. Seus balanços, declarações fiscais sempre foram transparentes, legítimos e regulares.
Os pagamentos de empréstimos contabilizados pela 123milhas foram devolvidos pelos seus credores, entre os dias 24 e 28 de agosto, exclusivamente em razão da decisão da empresa de pedir recuperação judicial, protocolada no dia 29 de agosto de 2023.
Tal medida foi tomada para que não houvesse privilégio no pagamento dos credores, como determina a lei. O ato demonstra boa-fé e rigidez de conduta dos sócios, e não o contrário como faz parecer a comissão”.
Fonte: Uol