Estados elevam ICMS para reforçar caixa e garantir fatia maior na Reforma Tributária


Dezesseis estados e o Distrito Federal decidiram aumentar a taxa padrão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para o ano corrente e também para 2024, de acordo com um levantamento realizado pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz).

Doze estados implementaram alíquotas maiores já a partir deste ano, após terem aprovado leis no ano anterior. Em 2023, mais cinco projetos semelhantes foram aprovados nas assembleias legislativas para elevar o ICMS a partir de 2024.

Os estados justificam esses aumentos como uma compensação às medidas adotadas pelo governo federal em meados de 2022 para conter os preços dos combustíveis, limitando a cobrança do ICMS sobre gasolina, diesel, energia elétrica e telefonia.

Entretanto, esses aumentos de alíquotas também estão ligados à Reforma Tributária, com o objetivo de expandir a base de cálculo na transição entre o sistema de tributação atual e o novo sistema, caso a proposta de emenda à Constituição (PEC) seja aprovada pelo Congresso.

A reforma está em andamento no Senado desde julho, quando foi aprovada na Câmara dos Deputados, mas enfrenta desafios na busca por consenso na Casa.

Atenção à situação fiscal

Durante o governo de Jair Bolsonaro, duas leis foram aprovadas para limitar a cobrança do ICMS sobre combustíveis, contas de luz e serviços de telecomunicações, em meio ao aumento dos preços internacionais do petróleo e a campanha eleitoral presidencial. Esses bens e serviços foram classificados como “essenciais” e submetidos à alíquota padrão de cada estado.

Segundo o Comsefaz, as limitações impostas em 2022 resultaram em uma perda anual de R$ 109 bilhões na receita dos orçamentos de prefeituras e governos estaduais. André Horta, diretor institucional da entidade, afirmou: “Todo mundo está se adaptando. Projetos de renovação de estradas e planos para abrir hospitais foram adiados. Uma série de serviços públicos foi afetada.”

Um exemplo é Pernambuco, que perdeu R$ 1,7 bilhão em arrecadação apenas no ano passado devido às limitações impostas pelo governo federal. Para compensar essa queda, o estado aprovou um aumento na alíquota padrão do ICMS para 20,5% a partir de 2024, em comparação com os 18% vigentes.

O Ceará também enfrentou uma perda significativa de arrecadação, com R$ 1,2 bilhão apenas no segundo semestre do ano passado, devido às limitações do governo federal. Em 2023, a perda acumulada até agosto foi de R$ 1,4 bilhão em comparação com o mesmo período de 2022. Para enfrentar essa situação, o Ceará aprovou um aumento da alíquota padrão do ICMS para 20% a partir de 2024, em comparação com os 18% anteriores.

A alíquota padrão do ICMS é uma taxa de referência cobrada sobre todas as mercadorias, embora cada estado possua uma série de exceções, cobrando mais ou menos para diferentes produtos.

Após a limitação da cobrança do ICMS sobre combustíveis, contas de luz e serviços de telecomunicações, o Comsefaz conduziu um estudo para estimar o quanto a alíquota padrão precisaria subir nos estados para compensar as perdas. O estudo indicou que cerca de 35% da arrecadação média desses estados vinha de mercadorias tributadas pela alíquota padrão.

André Horta do Comsefaz observou que nenhum dos 17 estados que decidiram aumentar a alíquota do ICMS o fez a ponto de atingir o nível sugerido pelo estudo da entidade, realizado no final do ano passado.

Gomes Santos, secretário da Fazenda do Ceará, pediu maior atenção da União em relação à situação fiscal dos estados. Ele afirmou: “O governo federal precisa considerar os estados e municípios e ajudá-los a recuperar a capacidade de arrecadação que tinham antes da aprovação das leis complementares 192 e 194 (que limitaram o ICMS). Estamos entrando em uma Reforma Tributária com uma arrecadação muito menor do que seria ideal, não fossem essas leis aprovadas no governo anterior.”

Além de Ceará e Pernambuco, Paraíba, Distrito Federal e Rondônia também aprovaram leis para aumentar o ICMS de referência a partir de 2024. No caso de Rondônia, a lei foi aprovada na terça-feira passada, de acordo com Horta, do Comsefaz.

O Rio Grande do Norte, que havia elevado a alíquota padrão para 20%, aprovou um novo projeto de lei neste ano, retornando o percentual ao patamar de 2022, que era de 18%.

Os aumentos no ICMS também estão relacionados à Reforma Tributária, pois a divisão do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) entre os governos será baseada na arrecadação média entre 2024 e 2028. Assim, os governos que aumentarem a arrecadação a partir do próximo ano teriam uma fatia maior do bolo tributário do futuro IVA.

A reforma prevê a unificação de cinco impostos no IVA dual: o imposto estadual ICMS e o municipal ISS serão combinados no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), e três tributos federais formarão a nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Horta, do Comsefaz, acredita que a regra de repartição do futuro IVA será alterada no Senado, onde a PEC da reforma está em tramitação. Ele sugere que seja utilizada uma média de arrecadação anterior na repartição, preferencialmente antes dos impactos da Covid-19 na economia e, consequentemente, antes das limitações impostas ao ICMS no ano passado.

Giancarlo Chiapinotto, sócio da PwC especializado em tributação, considera que o aumento nas alíquotas do ICMS pelos estados é um exemplo de como medidas que visam um efeito específico na teoria podem produzir resultados diferentes na prática. No caso da Reforma Tributária, a regra de repartição do futuro IBS poderá acabar incentivando um aumento na carga tributária, o que não é o objetivo declarado pelo governo federal.

Chiapinotto observa que, em alguns estados, em vez de elevar a alíquota padrão do ICMS, foram propostos aumentos no imposto sobre mercadorias específicas consideradas supérfluas, como uma alternativa para compensar a arrecadação perdida desde o ano passado.

Insegurança jurídica

Um relatório recente da PwC sobre os efeitos da Reforma Tributária no varejo e na indústria de bens de consumo destacou que as mudanças propostas são profundas e que existe incerteza em relação a diversos pontos, muitos dos quais serão definidos apenas em leis complementares aprovadas após a PEC. Giancarlo Chiapinotto acredita que a burocracia poderá aumentar para as empresas.

A advogada tributarista Renata Cubas, sócia do escritório Mattos Filho, concorda. Ela afirma que as mudanças previstas na reforma, juntamente com os esforços dos governos estaduais para recompor a arrecadação tributária perdida, deixam os contribuintes, especialmente as empresas, lidando com insegurança jurídica.

Renata ressalta que não é possível projetar com precisão o valor dos impostos a serem pagos. Ela afirma: “A grande discussão na reforma é sobre qual será a alíquota do IVA.”


Fonte: Agência O Globo

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