Reforma tributária: O imposto seletivo não pode ser um ‘cheque em branco’


A reforma tributária propõe a instauração de um imposto seletivo, popularmente denominado “imposto do pecado”, com o propósito de taxar a produção, venda ou importação de produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Esse é o teor da PEC 45.

Trata-se de um imposto de natureza extrafiscal que visa principalmente incentivar comportamentos que desestimulem os consumidores a adquirir produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Do ponto de vista do Estado, a lógica é que aqueles que consomem produtos prejudiciais à saúde acabam sobrecarregando e onerando os serviços públicos, portanto, é razoável que contribuam de forma mais significativa para cobrir esses gastos públicos.

Além disso, cabe ao Estado proteger o bem fundamental da vida, de modo que a redução do consumo também protege os cidadãos dos efeitos negativos de maus hábitos de consumo. O mesmo raciocínio se aplica ao meio ambiente, alinhado com os compromissos internacionais de preservação da natureza, redução das emissões de carbono e combate às mudanças climáticas em benefício global.

No entanto, existem várias imperfeições no texto que requerem debate e ajustes no Senado Federal. A primeira delas é a ausência de uma disposição que estabeleça a não cumulatividade desse imposto. O objetivo é taxar o produto final e desencorajar seu consumo, o que sugere que a incidência do imposto deve ser monofásica, ou seja, ocorrer apenas uma vez, seja na produção ou na importação. Portanto, não faz sentido permitir que o imposto seletivo seja aplicado também na comercialização.

O Ministério da Fazenda, com alguma justificativa, busca evitar que as indústrias submetidas ao imposto seletivo uma única vez no estabelecimento industrial possam transferir seus produtos industrializados a preços reduzidos para distribuidoras do mesmo grupo econômico, reduzindo assim o impacto do imposto seletivo em suas atividades. Essa estratégia de planejamento tributário já foi objeto de controvérsia entre o fisco e os contribuintes no passado, especialmente em relação às operações sujeitas ao PIS e Cofins monofásicos. No entanto, isso pode ser abordado pela legislação ou neutralizado fixando uma alíquota fixa do imposto seletivo na produção ou importação, conhecida como alíquota “ad rem”.

Além disso, a redação do dispositivo que trata do imposto seletivo menciona a produção de bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Isso poderia ser interpretado de forma ampla e incluir quase qualquer produto, até mesmo água ou produtos orgânicos. É claro que esse não é o propósito do texto, e é altamente recomendável que o imposto seletivo se aplique não à produção de bens em si, mas sim à produção de bens cujo consumo prejudique a saúde ou o meio ambiente.

Finalmente, há uma anomalia significativa: a PEC sugere que o imposto seletivo pode incidir sobre bens produzidos em todo o país, desde que também sejam industrializados na Zona Franca de Manaus ou em áreas de livre comércio, para beneficiar as operações originadas nessas áreas incentivadas. Isso significa que qualquer bem fabricado nessas áreas poderia ser sujeito a esse imposto quando produzido fora delas. Esse aspecto deve ser revisto, considerando a implementação de outros benefícios para essas áreas privilegiadas.

Com esses ajustes, o imposto extrafiscal deixaria de ser uma preocupação para os contribuintes, evitando que futuros legisladores, cujas intenções podem ser incertas, se sintam tentados a usá-lo para fins de arrecadação indesejados. Essas mudanças também ajudariam a promover um texto mais condizente com os objetivos reais da reforma.


Fonte: Valor

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