Taxa extra sobre produtos que prejudicam saúde e ambiente reduziria alíquota de tributo
O imposto seletivo foi criado para aplicar uma tributação mais alta em produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao ambiente, com o objetivo de desencorajar seu consumo. No entanto, de maneira paradoxal, em muitos países, o imposto adicional se tornou uma fonte significativa de receita devido à demanda contínua dos consumidores por esses produtos.
De acordo com especialistas, o imposto seletivo poderia contribuir para reduzir a taxa do novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) proposto em discussão na atual Reforma Tributária no Congresso.
Os legisladores estão atualmente elaborando um tipo de IVA dual. Esse modelo envolve a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) para substituir o PIS e a COFINS, juntamente com o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) para substituir o ICMS estadual e o ISS municipal. Uma taxa padrão será distribuída entre esses componentes para gerar receita nos níveis federal, estadual e municipal.
O texto, que já foi aprovado na Câmara dos Deputados e está sendo revisado no Senado, propõe que o novo imposto seletivo possa ser aplicado a bens e serviços prejudiciais à saúde e ao ambiente. É simples assim.
Esse projeto abrangente atende ao debate global. A lista de itens sujeitos a tributação está se expandindo progressivamente, e as taxas podem superar as do IVA padrão.
O grupo inicial de produtos classificados como prejudiciais, que foram sujeitos a tributação adicional em todo o mundo, inclui tabaco, bebidas alcoólicas e combustíveis fósseis como gasolina, diesel e gás.
No entanto, a gama tem se diversificado nos últimos anos, como observado por Rita de La Feria, professora de direito tributário da Universidade de Leeds e pesquisadora associada da Universidade de Oxford, ambas no Reino Unido.
Na América Latina, o México foi pioneiro na “taxa de açúcar”. Vários países também introduziram impostos sobre plásticos. A Alemanha até incluiu sacolas no grupo de materiais de embalagem sujeitos a esse tipo de sobretaxa.
“Considerando essa tendência global, isso poderia contribuir para reduzir a taxa geral do novo imposto no Brasil — embora a extensão dependerá das reações dos consumidores quando for implementado, algo que não podemos prever”, diz Rita de La Feria.
“O imposto seletivo é uma área em crescimento no direito tributário, uma forma crescente de tributação, e estamos observando o aumento da receita proveniente dele, o que contradiz seu propósito inicial: afinal, as receitas aumentam porque o consumo persiste”, diz La Feria.
O economista Bráulio Borges identificou o potencial substancial do Brasil devido à subutilização da tributação seletiva. Em 2019, o Brasil arrecadou o equivalente a 0,9% do PIB por meio de impostos seletivos relacionados. Os países da América Latina, em média, arrecadaram quase 2%. Países com renda per capita semelhante ao Brasil ultrapassaram 2%.
No Brasil, IPI (sobre cigarros e produtos alcoólicos) e Cide (sobre combustíveis) desempenharam o papel de impostos especiais sobre o consumo (“excise taxes,” usando o termo em inglês), divergindo da abordagem padrão.
Em 1990, a receita proveniente de produtos prejudiciais à saúde representava 2,5% do PIB. A média dos anos 2000 caiu para 1,5%. A contribuição diminuiu ainda mais a partir da década de 2010, principalmente devido a subsídios aos combustíveis.
Borges observa que, como o Brasil busca liderar na transição energética, ampliar os impostos sobre combustíveis e emissões de carbono é natural. Ele cita um estudo do Banco Mundial que mostra um ganho adicional potencial de quase 1% do PIB até o final desta década apenas por meio da tributação seletiva nessa área.
O economista também argumenta que não faltam razões para taxar bebidas açucaradas. No início dos anos 2000, 12% da população estava obesa; nos dados mais recentes, as projeções indicam que esse percentual pode chegar a 30% até 2030.
Os brasileiros já demonstram sensibilidade para a questão. Uma pesquisa do Datafolha encomendada pela ACT Promoção da Saúde identificou que 94% dos brasileiros apoiam o aumento de impostos sobre produtos prejudiciais à saúde e ao ambiente.
“Em diversos aspectos, é concebível que o Brasil possa dobrar sua receita com esse imposto ou, em um cenário otimista, até triplicá-la”, diz Borges.
“Como o governo afirma que não quer aumentar a carga tributária, essa receita adicional poderia ser usada para reduzir as taxas gerais de CBS e IBS.”
No entanto, a tributação seletiva pode ser regressiva, afetando de forma desproporcional os menos favorecidos,” observa a especialista em tributação Vanessa Canado.
Fonte: Folha