por Sueli Lopes
Nossa expressão hoje talvez precise voltar um século e encontrar-se com a voz de Mário de Andrade, ao se expressar em Há uma gota de sangue em cada poema: hoje também os versos seriam outros e mostrariam um coração que sangra e estua (...) Tudo se apague! Este ódio, esta cólera infinda/ Fujam os ventos maus, que ora esfuziam;/ que se ouça a voz, não o canhão!...
Que se ouça a nossa voz! Não podemos e nem vamos nos calar, pois sabemos que a função social da literatura é também facilitar ao homem compreender e, assim, emancipar-se dos dogmas que a sociedade lhe impõe.
Que se ouça a nossa voz, amados escritores. E que ela seja, acima de tudo, em prol da paz, do amor, da união, da humanização. Que a escrita seja nossa forma de transbordar, de contribuir para um mundo melhor. Conforme expressou Christopher Vogler: “o poder curativo das palavras é seu aspecto mais mágico. Escritores, como xamãs ou curandeiros, das culturas ancestrais, têm o potencial de serem curativos (...) Nós, escritores, compartilhamos do poder divino dos xamãs. Não apenas viajamos a outros mundos, mas os criamos em outro espaço e tempo (...) com o poder mágico de reter aquelas palavras e trazê-las de volta na forma de histórias para outros compartilharem. Nossas histórias têm o poder de curar, refazer o mundo. Dar às pessoas metáforas pelas quais podem entender melhor a própria vida.”
Vale ressaltar que a literatura tem o poder de reanimar, restaurar, amenizar dores na alma e até mesmo a depressão. Basta estudarmos um pouco a respeito de Carl Jung (psiquiatra e psicanalista suíço, fundador da Psicologia Analítica) e veremos suas afirmações sobre a cura por meio das histórias e metáforas inseridas nas obras literárias, por exemplo. Sim, a literatura era uma de suas fontes de análise em busca de compreender a psiquê humana, bem como um recurso para tratá-la.
O século passado, por exemplo, foi marcado por duas Guerras Mundiais, e o período entre elas gerou profunda depressão na humanidade, decorrente das perdas de entes queridos, queda da economia, fome, medo e doenças. E foi exatamente nessa fase que grandes grupos artísticos e literários se levantaram ao redor do mundo, com o objetivo de organizar movimentos capazes de contribuir para que tamanha dor fosse amenizada.
Em Londres, o famoso Grupo de Bloomsbury se reunia na belíssima Gordon Square e buscava formas de encontrar criações que pudessem alegrar. Em Stratford-Upon-Avon, os teatros lotavam e as narrativas de Shakespeare, tanto tempo depois de sua morte, chegavam de novo ao seu auge. Além de ser um veículo que gerasse cura psicológica e emocional (a Catarse) o teatro foi um grande cooperador para a economia, pois o dinheiro gerado contribuiu sobremaneira. O Círculo Linguístico de Praga, por sua vez, ganhava mais prestígio, bem como a Literatura Russa. O formalismo russo, também conhecido por crítica formalista, foi uma influente escola de crítica literária que existiu na Rússia de 1910 até 1930. ... Os membros do movimento são considerados os fundadores da crítica literária moderna.
E no Brasil, em 1922, acontecia a Semana de Arte Moderna, também conhecida como “Semana de 22”, no Teatro Municipal de São Paulo, de 11 a 18 de fevereiro de 1922 e representou a expressão de novos valores estéticos, que propunham uma mudança na arte e na literatura brasileira.
Tais exemplos foram citados apenas com o intuito de mostrar o quanto a literatura é atuante na sociedade, no contexto histórico. Mas seu maior papel é, certamente, melhorar a visão de mundo das pessoas. Aliás, segundo o professor Antônio Cândido, a literatura deságua na desigualdade social, no fato de ela ser ou não acessível a todos.
Portanto, nós, escritores, permanecemos firmes em nossa missão de contribuir com o mundo, de aliviar seus fardos pesados por meio da catarse. Não vamos nos calar! Continuamos unidos num propósito coletivo. Temos a consciência de que, conforme expressou Charles Dickens, ninguém pode achar que falhou a sua missão neste mundo, se aliviou o fardo de outra pessoa.
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